ORVALHO
O processo de criação desta história foi muito calculado, pois eu acreditava que esta seria a estrutura aplicada aos livros futuros do projeto Sensibilizar. O que não aconteceu. Cada livro acabou por ser elaborado por meio de um processo de criação único, porem, com determinados elementos estruturais, comuns a todas as obras.
Em 2016, quando fiz a pós-graduação em Educação Especial, senti-me motivada em prestar o meu contributo a esta área. Foi com a escrita do “Orvalho” que foi dado o primeiro passo do projeto Sensibilizar.
Uma vez que a minha dissertação abordou a temática da “Deficiência Auditiva: A Inclusão do Surdo na Sociedade”, não foi difícil escolher a deficiência que o protagonista da história ia ser portador.
A minha preparação para criar a personagem principal, foi deveras revelador. Levou-me não só à descoberta do mundo dos surdos como à descoberta dos meus medos e das minhas limitações mais rudimentares.
Primeiramente, fiz um levantamento de quantos surdos havia nos Açores e quais as associações ou entidades que lhes prestavam apoio. Depois, fiz uma formação em Língua Gestual Portuguesa, que tanto me encantou aquela forma tão movimentada de comunicação.
Depois, percebi que ainda eu não estava totalmente preparada para escrever a história daquela personagem, que ainda não existia. Eu sabia que precisava de ter uma experiencia enquanto surda para poder sentir essa limitação.
Por este motivo, num dia de manha, tapei os meus ouvidos o melhor que pude, e fui caminhar pelas ruas mais movimentadas de Angra do Heroísmo. Devo dizer que foi uma experiencia terrível.
Sem o sentido da audição, eu perdi a noção de onde eu estava. Eu olhava em toda à volta à procura de informação que só a audição me dava e não conseguia sair daquela angustia.
Quando as pessoas passavam, caminhando por trás de mim eu assustava-me imenso. Senti uma insegurança que era totalmente nova para mim.
Continuei a percorrer as ruas, mas quanto mais eu andava mais medo sentia. Eu atravessei numa passadeira e só pensava que eu ia ser atropelada, porque apesar de ver os carros era como que a ausência de ouvi-los retirava-me a segurança de atravessar.
Com o coração acelerado, resolvi voltar para casa.
Só quando destapei os ouvidos é que consegui respirar fundo tranquilamente.
Um ou dois dias depois, comecei a estabelecer pontos que haveriam de estar na história e tópicos de como ela poderia ser desenvolver. Com esta fase concluída, passei à escrita da narrativa.
Assim que a história ficou concluída, foram selecionadas as crianças-ilustradores. O workshop de ilustração foi desenvolvido por orientação da equipa de profissionais do Serviço Educativo do Museu de Angra do Heroísmo.
Nesta tarde de trabalho com as crianças, primeiro foi lida e aprofundada a história e a seguir cada criança desenhou conforme a imaginação lhe indicou. Com as personagens feitas, passamos à parte da criação dos fundos.
Com todo o processo de construção do livro concluída e devido lançamento ao público, era importante fazer com que o livro continuasse o seu propósito.
Nas semanas seguintes percorri as escolas básicas a apresentar às crianças o que era o projeto sensibilizar e oferecer um livro a cada escola por onde fui passando.
Esta foi a forma que considerei mais exequível na transmissão da mensagem principal do “Orvalho”. Falar acerca da demanda do personagem principal e nos seus feitos, apesar da sua surdez.
Nestas apresentações eu ensinei às crianças, bom dia, boa tarde e boa noite, na Língua Gestual Portuguesa, com o intuito de os fazer sentir o quão divertido é sermos todos diferentes uns dos outros. Cada um com limites diferentes e capacidades diferentes.
Pouco depois o livro “Orvalho” entrou para o Plano Regional de Leitura, como obra recomendada para o primeiro ciclo de escolaridade.
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